Fonte: boqnews.com
Há mais de um ano, grupo de amigos se reúne para pesca de robalos e tilápias em diversos pontos dos tradicionais canais de Santos. Os peixes são devolvidos.
Não se assuste, caso você esteja andando pelos canais – durante o dia ou mesmo de madrugada - e encontre uma turma de amigos pescando ou apenas um pescador solitário. O que teria tudo para ser mais uma história de pescador, não é. A cena - que parece estranha e inusitada - já acontece há mais de um ano em diferentes pontos de Santos. O segredo para fisgar o peixe está entre a escolha do equipamento e a paciência para esperar o momento certo.
Existem pontos fixos, onde segundo estes pescadores de plantão, é possível encontrar mais peixes. Cada canal, segundo o percussor da turma Danilo Cortes Ceschim, mais conhecido como Dog, apresenta diferentes espécies. Nos canais 7, 6, 5 e 4 é possível encontrar robalos. Já nos canais 1, 2 e 3, a espécie mais encontrada é a tilápia (de água doce).
Em todos os canais, também é possível encontrar cardumes de parati e guarus (lebiste), estes trazidos de Santa Catarina pelo próprio engenheiro Saturnino de Brito, mentor dos canais, para comer as larvas de mosquitos que se desenvolviam e desenvolvem nas águas dos canais.
A brincadeira começou quando Dog pescava iscas vivas, junto com amigo Márcio Tinen no canal 7. Juntos, os dois pescam desde criança, mas sempre na praia, na mureta da Ponta da Praia e no próprio Deck do Pescador. O hobby foi incentivado pelo pai. Neste dia, porém, observaram outras espécies no canal, como o robalo. E porque não pescar aqui mesmo?
Com o tempo, os dois começaram a pescar em pontos estratégicos. Basta a maré subir para que eles peguem o equipamento e comecem mais uma pescaria. No canal 7, o ponto principal fica perto do Complexo Esportivo Rebouças. Já no canal 1, um dos preferidos é próximo à Rua Carvalho de Mendonça. No canal 4, o melhor é próximo ao porto.
O que para muitos é algo monótono esta turma conseguiu transformar em diversão e ponto de encontro entre os amigos. A pesca neste caso não consiste apenas em jogar a isca e esperar. Eles andam pelo canal. Avistam o peixe - sim, a água é transparente - para então lançar a isca. De lá para cá, batendo papo, eles se concentram apenas na hora da luta entre pescador e peixe e depois na soltura correta.
No dia 18 de dezembro, a equipe do jornal Boqueirão acompanhou um dia, ou melhor, uma madrugada de pesca. À meia-noite, Dog preparou seu equipamento e começou a pescaria. Aos poucos, chegavam os demais amigos. Marcel Camargo foi o primeiro deles. Em seguida, chegou Márcio - o companheiro de infância. Por último, já às 3 horas da madrugada, era a vez de Marco Antonio, que pesca há quatro anos com Dog.
Após uma hora no local, curiosos paravam o carro para ver a pescaria. As perguntas mais frequentes: Dá peixe mesmo? Qual a espécie? Com olhares que misturam expectativa de verem um peixe fisgado com um certo grau de desconfiança, as pessoas param, perguntam, mas neste dia nenhuma delas teve a oportunidade de ver um peixe fisgado e solto.
O segredo, tanto para os observadores como aos pescadores, é realmente a paciência. Para o pescador, soma-se também a experiência, um pouco de sorte e conhecimentos da prática. Só neste dia, cinco robalos foram pescados. Mediam entre 15 e 24 centímetros. Segundo Chestin, o maior que já pegou tinha 40 centímetros. Já no começo de janeiro, em uma pesca solitária, Chestin fisgou uma tilápia.
Por meio da prática pesque e solte, logo que são fisgados e fotografados, os peixes voltam ao seu habitat natural. “Algumas pessoas chamam de pesca esportiva. Eu não gosto, afinal o peixe não é fisgado porque quer. Seria hipócrita da nossa parte. A diversão é só nossa e não deles”, ressalta.
A prática, porém, é regulamentada e possui regras. Não basta pegar uma vara e sair pescando. É necessário, por exemplo, ter uma licença nacional que o habilite. A emissão da Licença da Pesca Amadora é de competência do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), que disponibiliza o serviço no portal http://www.mpa.gov.br, com informações importantes sobre as quais o pescador amador deve estar ciente.
“Ter conhecimentos básicos, por meio de cursos ou no bate papo entre os mais experientes, é fundamental para minimizar o impacto negativo que isto traz ao peixe. Eles não sentem dor, mas o estresse é grande. Por isso, é essencial ter técnica tanto na captura como para soltá-los”, ressalta.
De acordo com estudos, um dos efeitos mais danosos do estresse é a redução da resistência do peixe às doenças infecciosas. Problemas por fungos ou bactérias são causas de muitas mortes depois das solturas. A manipulação rude ou violenta também aumenta o dano ao peixe e cria uma chance maior de infecção.
Existem procedimentos corretos para a realização do pesque-e-solte, como, por exemplo, a utilização de anzóis apropriados, que não têm farpas, já vendidos em lojas do ramo. A briga com o peixe - ponto alto da pescaria - deve durar pouco tempo, pois a luta do animal para escapar resulta em estresse ainda maior.
“Com equipamentos equilibrados, ou seja, não muito leves nem pesados demais para fisgar o peixe, é possível controlar e diminuir este tempo. Por mais divertido e prazeroso que possa parecer, é importante que todos façam de forma consciente”, explica. Para quem ficou curioso, Dog disponibilizou vídeos no youtube ([url=http://www.youtube.com/watch?v=g8Tv6--NInc]pescador de canal[/url]). “Sempre gravamos a pescaria. Lá estão os melhores dias”, diz.
Pesquisa identifica espécies
Desde o mês de maio de 2010, o pesquisador Matheus Rotundo, da Universidade Santa Cecília (Unisanta), realiza estudos nos canais de Santos, identificando espécies e as características do local. Além de analisar peso, comprimento e a quantificação dos peixes, o estudo identifica crustáceos, moluscos e aves desse ambiente. Para tanto, as alunas de Biologia Marinha, Carina Valério e Jéssica Massunda, e o técnico de coletas, Marcelo Croce, monitoram 19 pontos de amostragem, do canal 1 ao 7.
Algumas espécies, como o lebiste, ou barrigudinho, de acordo com o pesquisador, foram inseridos nos canais entre os séculos 19 e 20. "O lebiste ou barrigudinho (Poecilia reticulata) – peixe de 3 a 6 centímetros, muito utilizado em aquários, foi introduzido nos canais devido ao seu hábito de se alimentar com larvas de insetos, servindo como ferramenta de controle biológico, combatendo os transmissores de doenças. Para estas espécies, o aparecimento das tilápias é um perigo, pois se tornam alimentos fáceis, o que possibilita também a manifestação de mosquitos, inclusive os da dengue", explica.
Outra conclusão parcial das pesquisas diz respeito às aves que se alimentam dos peixes do canal. “Agora, essas aves têm competidores de alimentação, as tilápias, que estão se adaptando a esse microhabitat muito bem”. Uma das causas do aparecimento, de acordo com a pesquisa, é o programa de balneabilidade das praias, como as comportas dos canais ficarem mais tempo fechadas, impedindo a entrada de água salgada, mantendo o ambiente mais propício para os peixes de água doce.
Pesquisador e pescadores concordam com uma coisa: não há nada de inusitado nos peixes nos canais. O que acontece é que a maioria das pessoas passam por eles e não reparam em suas belezas e peculiaridades. “A tilápia, por exemplo, está aqui há pelo menos quatro anos. Nós é que não damos muita importância”, explica o pesquisador.
Em dezembro, a equipe encontrou uma tartaruga em meio à lama do canal. "Após recuperada, cuidamos dela e doamos. Muitas pessoas compram estes animais, mas quando crescem descartam da pior maneira possível", ressalta.
Alerta
O biólogo Matheus faz um alerta em relação à prática da pescaria junto aos canais. “A pesca para consumo não é aconselhável, nem das tilápias ou robalo, tainha e parati, localizados ao longo dos canais 6 e 7, devido à troca com a água do mar. Isso porque eles podem ter se contaminado com vários tipos de substâncias ou organismos tóxicos".









