Mercado de peixe CEAGESP

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Mercado de peixe CEAGESP

Postagem Número:#1/9  Mensagempor Fabricio Prado » 19/04/2007 - 21:20:21

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O mercado de peixes da Ceagesp é uma ruidosa procissão circular de jalecos e galochas brancas, sob um galpão onde o cheiro impregnante é a única certeza. Todo o resto... “depende”: é a resposta favorita dos maiores peixeiros da América Latina. Meia-noite e meia, os 65 holofotes ainda estão apagados. Só lâmpadas laterais iluminam o chão de cimento, enquanto, devagar, os primeiros pares de galochas surgem para encaixar placas de plástico, como espessas telas permeáveis. Cobrem o centro e as bordas do piso, deixam livre um corredor largo o suficiente para dois carrinhos conviverem e darem a volta no galpão.
Não se vê uma mísera tainha. Mas uns poucos homens de caderneta em punho já circulam e cumprimentam outros, também com seus caderninhos baratos. Falam baixo, anotam números e garranchos. A venda de pescados só pode começar ao soar de uma sirene às 2 horas. Antes disso, nenhum peixe deve ser negociado. Se bem que... depende. Um oriental passa carrancudo, coloca a caderneta no bolso do jaleco para vestir uma só luva cirúrgica. Um vendedor sentado em uma caixa vazia não resiste e apalpa a bunda do outro: “Vai fazer exame de toque, santa?”.
De certa forma, sim, ele vai. Os dois prosseguem com os homochistes e abrem as portas de um dos caminhões estacionados. Afundam as galochas no gelo picado das caçambas, espiam o que há sob os flocos e o gelado vapor. Com um canivete, o da luvinha faz um pequeno talho no rabo de um atum de 20 quilos. Enfia o dedo no furinho para sentir a consistência. Ambos tomam notas, apontam para outros atuns, apertam as mãos e voltam ao seco. Um bom cliente, o proctologista de pescados. Hideki, comprador de peixes para alguns dos 250 restaurantes japoneses de São Paulo, três ou quatro vezes por semana pega cheiro no galpão, onde reconhece os negociantes pelo apelido. Gente como ele, bem relacionada e compadre de bons peixeiros, tem acesso à área VIP do galpão: os baús dos caminhões. Alguns dos melhores peixes daquele começo de dia já têm dono – nem serão despejados sobre as telas de plástico.

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Proprietário de uma das mais recheadas cadernetas é Aislan, chefe da equipe do Akira Pescados. Seu pai é Akira, lendário peixeiro da Ceagesp que, após virar credor de seu patrão, cansou de ser funcionário e abriu seu próprio atacado de pescados. Mais de três décadas de galochas cansaram os pés de seu Akira, que hoje só despacha do escritório onde controla seus dez módulos (unidades de espaço no galpão) e seis barcos pesqueiros. Akira fez a vida e uma fortuna que a família prefere não revelar. Contudo, antigos clientes do velho peixeiro lembram da pitoresca cena: seu Akira descendo de um Jaguar calçando as experientes – e aromáticas – galochas brancas. Aislan não tem 30 anos e já sabe tudo do ramo. É uma das vozes mais assertivas quando sugere o onipresente “depende”. “É igual a uma bolsa de valores. Vai de que peixe tem, quanto chegou, quanta gente quer...” Quem estabelece o preço? “Depende... Chega mais cedo, olha os caminhões, vê o que está bom...” Quem traz os peixes? “Bom, aí... depende. Os caminhões vêm do Brasil todo, são os fornecedores. Estacionam no nosso espaço e a gente vende consignado. Nossa comissão é de uns 12%, varia de acordo com o peixe, a época do ano... tudo depende.”
Nas caixas plásticas empilhadas no miolo do mercado estão os peixes mais baratos: pescadas, tainhas, corvinas, mais comprados por feirantes e restaurantes “ocidentais”. Nas bordas, o filé: atum, espadões, garoupas, cação – favoritos de restaurantes japoneses. Um dos poucos pescados cujo preço não varia demais é o cada vez mais popular salmão. Chegam embalados em isopor, já inspecionados pela Saúde Pública. Todos vêm do Chile, indexados pelo dólar: de 19 a 21 reais o quilo. Hoje é o atum que está fresco, farto e de preço baixo – 10 reais o quilo. Pode custar 9; em tempos de seca, vai a 25. Atuneiros, os barcos de atum, voltaram depois de dez dias no mar, congelando em gelo salgado peixes que caem vivos nos porões. Uma rede boa de arrasto custa uns 150 mil reais. Cada saída de um barco desse tipo, para mais de uma semana no mar, não sai por menos de 60 reais. Fora salários. O saldo? Adivinha...

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A maioria dorme pouco. Chega em casa quando a família está de saída e precisa de um longo banho antes de deitar. Com sorte, à uma da tarde estão sonhando. “A mulher acostuma com o cheiro. Só não acostuma é com as roupas”, conta Luís, carregador, 17 anos de peixe. “Tem que lavar separado, senão pega o cheiro na roupa da família toda.” Luís é conformado com o aroma crônico, prefere carregar o futum a voltar à sisuda vida de segurança particular. “Aqui a gente se diverte... é uma turma boa.”
Verdade. Se peixeiro de feira tem fama de baderneiro, imagine 800 deles juntos. Recomendação número 1: se for mulher, evite. Se precisar, vá discreta. Ser muito bonita atrapalha. Vai escutar elogios, alguns pouco cristãos. Recomendação número 2: se for gay, evite. Se der bandeira, nem vá. Um cobrador que prefere se manter anônimo relata: “Outro dia veio uma bicha. Começou a rebolar, falar daquele jeito... Quando viu voou uma pescada na cabeça. Logo era pedaço de gelo...”. Seu Jiro tem razão: o mundo muda, o mercado não. Em cima de uma caixa de 10 quilos de tainha repousa um cartão bege: “Lindas garotas. Serviço de acompanhantes. Tratar com Mônica”, e um número de celular. Um senhor de vastos bigodes brancos sorri e desvira o cartão. No verso, só o nome de um comprador, uma reserva daquele lote de pescados. Todas as outras reservas estavam escritas em cartões da Mônica. É que vez ou outra aparecem no galpão algumas cortesãs, provocando aquele cardume fedorento, distribuindo cartões como aquele. Daí o risco de damas desavisadas, de saias mais justas, serem mal interpretadas nessa turba. Daí a razão de uma mulher oriental, única que deu as caras nessa madrugada, toda coberta e vestindo galocha preta, recusar-se a falar à reportagem.
Nenhuma reles mosca deu o ar da desgraça. “Mosca só aparece quando o peixe não está fresco. E em peixe congelado nem pensar”, ensina seu Jiro, que prossegue, “aliás, peixe fresco também não cheira.” Opa, e esse cheiro que a gente sente de longe? Rodrigo, dono e pregoeiro da Millenium Pescados, explica: “Não é o peixe, é a água que sobra”. Um caldo mal escoado que, apesar dos faxineiros e dos jatos ao final do batente, insiste em repousar dia após dia nos cantos e arredores do mercado. A sujeira no chão cresce e já é possível derrapar em alguma corvina pisada. Um gato dá voltas, arisco, e logo toma um chega-pra-lá de um velho. Negro, de jaleco, boné e galochas brancas, instiga a atenção pelos inúmeros insultos carinhosos que inspira e pelas cartelas de bilhetes de loteria que vende. Todo dia, dos seis por semana em que o mercado funciona, ele está lá, há 25 anos. “Me chamo Antônio. Tenho 75 anos e sou casado com uma menina de 22!” – assim ele se apresenta. “Corno!”, alguém grita, passando a mão da bunda do septuagenário. “Corno nada!”, e cochicha à reportagem: “Três vezes por semana eu caio na botija!”.


Fim de feira
Seu Antônio prossegue de pé, dando voltas na procissão que, agora às 5 e meia, vai escasseando como os peixes no mar. Todos os peixeiros confirmam que o oceano não é mais o mesmo, que há 15 anos o volume era mais que o dobro por ali, que os barcos voltavam mais cedo e não iam tão longe atrás de atuns e garoupas. Até 1990, 350 toneladas passavam pelo galpão, todo dia. Hoje são as citadas 120, arrastadas pelos carregadores dando duro, enchendo outros caminhõezinhos com as compras do dia, depois que os acertos todos foram feitos na saleta em cima da Cantina do Pescado – nem todos devidamente taxados em notas fiscais.
Os peixes da Ceagesp podem passar até uma semana no vaivém do frigorífico, e os que vão passando do prazo ganham novos contornos. Um atum que encalhou por uma semana é cortado em postas e mandado para o Nordeste do Brasil – em tese, mercado “menos exigente”, justifica Aislan, o chefe do Akira Pescados. Um peixe mais simples, uma tainha, perde a cabeça e o rabo antes de começar a feder. No dia seguinte vira o filé pronto da feira livre. Atenção, leitor fã de carne branca: peixe bom tem a cabeça no lugar.
Apesar do aviso de “Expressamente proibido fumar, comer e colocar os pés nas caixas”, é hora de muita gente escorar-se nas caixas vazias para acender um cigarrinho, tomar um café e degustar seu torresminho. O cheiro fica mais forte, apesar das narinas mais acostumadas, e uma única mosca pousa sobre uma caixa de sardinhas – uma das últimas a serem recolhidas. Os atuns voltaram para a cama mais cedo, depois os espadas, robalos, garoupas e cações. Os camarões já estão trancados em seus caminhões junto com as lulas. Nada é jogado fora. Amanhã, volta tudo para as placas, a preços que... bem... depende do que vai chegar de novo.

O casal cata um camarão e encerra o pregão da madrugada. Na saída, não viram: mas quase pisaram em um siri ainda vivo, que, irritado, tenta beliscar as galochas da reportagem. Veio do fundo do mar, arrastado por uma rede implacável, atirado em um barco com milhares dos seus, enclausurado em uma caçamba, subiu a serra, foi empilhado em caixas de plásticos, oferecido aos gritos a preços que caíram ao longo das últimas seis horas, escapou de uma panela de água fervente e foi ignorado por olhares famintos. Está vivo, e agora só, no galpão da Ceagesp, a duas quadras do encontro do rio Pinheiros com o Tietê. Pensando bem, já que é o acaso quem manda nesta salgada vida, não teve sorte o tal siri? Depende...

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Postagem Número:#2/9  Mensagempor Leonardo Correia » 20/04/2007 - 05:06:21

Muito boa essa materia.


ValeU!
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Postagem Número:#3/9  Mensagempor Savio » 20/04/2007 - 09:42:43

Bom dia.

Parabéns pela matéria, assim sabemos que nos (nordestinos) temos de pescar nossos peixes, congelados nunca “depende...”.
"Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro"
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Postagem Número:#4/9  Mensagempor Branco Jr » 20/04/2007 - 10:29:33

Essa revista(Trip) sempre ótimas matérias.
Parabéns, Fabrício.
"A vida é muito importante para ser levada a sério."
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Postagem Número:#5/9  Mensagempor Augusto » 20/04/2007 - 12:03:01

matéria massa, vamo pescar nada de comprar peixe no bom preço! :mrgreen:
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Postagem Número:#6/9  Mensagempor Ferreiro_AL » 20/04/2007 - 12:23:52

Belo texto!
Quebra aê, quebra aê, olha ASA aê!
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Postagem Número:#7/9  Mensagempor Diogo Medeiros » 20/04/2007 - 13:41:18

massa essa materia :D
nunca tinha ouvido falar desse mercado ai :D
“Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come”
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Postagem Número:#8/9  Mensagempor Bife » 20/04/2007 - 18:27:45

show!

vi uma materia no "a noite e uma crianca" mt show! ele mostrando os peixes... comendo a carne crua...
o mercado fica 24h ligado... impressionante
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Postagem Número:#9/9  Mensagempor Jorge Thiago » 21/04/2007 - 01:30:48

Bela Matéria... =DDD
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